- Sanjoanense esteve por duas vezes em desvantagem, jogou 40 minutos com Ronan na baliza e acabou com nove elementos.
- Triunfo chegou pelo pé esquerdo de Ruben Neves.
Jogo de loucos e, seguramente, inesquecível. Assim se resume mais uma bonita página da história da Sanjoanense, escrita a ouro por um grupo de guerreiros que, nunca virando a cara à luta, fizeram da alma e do coração as suas maiores armas.
Numa deslocação que se antevia complicada, tendo em conta que o 1º de Dezembro era, até ao momento, uma das revelações defensivas da época, com um único golo sofrido em todas as competições, o início de jogo foi marcado pelo equilíbrio, com ligeiro ascendente para a Sanjoanense que, ainda assim, acabaria surpreendida à passagem do minuto 12. Na sequência de um canto desde o lado esquerdo do ataque local, Leo saltou mais alto que toda a defesa alvinegra, cabeceou para grande intervenção de Diogo e, de seguida, viu Luisinho confirmar o primeiro golo do encontro.
A correr atrás do resultado, os homens de São João da Madeira procuravam impor o seu jogo e, por volta da meia hora, seriam premiados. Edwar, servido por Pardal, tirou um adversário da frente e, com um cruzamento fantástico, assistiu Ronan que, de cabeça, restabeleceu a igualdade.
Motivados pelo golo do empate, numa fase em que estavam completamente por cima no encontro, os comandados de Ricardo Sousa procuravam adiantar-se no marcador e chegavam cada vez com maior perigo ao último terço. Ruben Neves voltou a ameaçar, com um livre direto que por pouco não visou a baliza contrária, e Ronan, a cinco minutos do descanso, teve nos pés a vantagem mas, a passe de Ruben Alves, atirou por cima da baliza à guarda de Marco Pinto, não conseguindo desfazer o empate, que imperava ao intervalo.
Sem alterações para a segunda metade, a formação de São João da Madeira voltou a entrar por cima, dispondo de uma grande oportunidade para marcar logo no minuto inicial, por intermédio de Ruben Neves que, a passe de Edwar, conseguiu desviar o esférico mas viu Marco Pinto negar-lhe o golo com uma enorme intervenção.
Apesar das oportunidades, a Sanjoanense não conseguia concretizar e, de novo contra a corrente do jogo, acabaria por sofrer. Ao minuto 51, após rapidíssima jogada de contra-ataque, a formação do 1º de Dezembro aproveitou da melhor forma uma descompensação defensiva dos alvinegros e Abdoulaye, já depois de boa intervenção de Diogo, não perdoou, devolvendo a vantagem aos sintrenses.
Uma vez mais no prejuízo, Ricardo Sousa optou por lançar todas as armas atacantes de que dispunha no banco de suplentes e o resultado não se faria esperar. Três minutos depois de entrar em campo, Ricardo Oliveira, a passe de Júlio, colocou da melhor forma o remate e devolveu a esperança aos muitos sanjoanenses que marcaram presença em Sintra.
No entanto, a alegria rapidamente seria dissipada. Cinco minutos volvidos e Diogo, na tentativa de anular um contra-ataque contrário, viu a bola bater-lhe na mão, já fora da grande área. Ainda que de forma aparentemente involuntária, o guarda-redes alvinegro acabou por travar um lance de golo iminente, motivando ação disciplinar de André Narciso, que não hesitou em dar-lhe ordem de expulsão.
Já sem substituições disponíveis, coube a Ronan a hercúlea missão de defender as redes sanjoanenses e, ainda que não fosse sabido há altura, tinha aí início um feito épico, com muito sofrimento à mistura. O certo é que não foi preciso esperar muito para ver o “guarda-redes” em ação. A dois minutos do final, Ronan, com uma bela estirada, respondeu a um remate colocado de um avançado contrário, segurando o empate que encaminhou o encontro para um prolongamento que se adivinhava bastante duro.
Mas, se se esperava já um enorme sofrimento, tudo ficou mais difícil quando, com 12’ jogados na etapa complementar, Andrés Burgos recebeu, também, ordem de expulsão, por acumulação de amarelos. Com nove jogadores e o ponta-de-lança no papel de guarda-redes, a Sanjoanense batalhava bastante e, com um esforço extremo, tentava ao máximo segurar um resultado que transmitisse alguma esperança, numa altura em que o sucesso parecia, para muitos, uma simples miragem.
Entretanto, Ronan continuava em destaque e, apoiado por um grupo que tudo fazia para manter a bola longe da baliza alvinegra, mostrava ser crucial para um bom resultado. Tanto que, aos 107’, voltou a fazer uma vistosa intervenção, na sequência de um remate desviado por Ruben Neves, levando ao delírio o público presente.
Por seu lado, os locais tentavam, a todo o custo, consumar a vitória, embora com base numa estratégia pouco clara e objectiva. Ainda assim, por pouco não voltaram à vantagem quando Leo, de cabeça, atirou ao poste e, pouco depois, novamente em excelente posição, falhou o alvo.
Com uma força mental estrondosa, os comandados de Ricardo Sousa tudo faziam para aguentar e procuravam segurar a posse de bola sempre que possível, visando, a espaços, o último terço, em busca de uma surpresa. E foi numa dessas investidas que se deu o que, para muitos, seria impensável naquela altura do encontro. Com 118’ jogados, Júlio transportou a bola até perto da grande área contrária e acabou travado em falta. Chamado a converter o livre, Ruben Neves, com um remate perfeito, fez a bola transpor a barreira e entrar pelo lado esquerdo de Marco Pinto, para explosão de alegria de jogadores, staff e adeptos presentes no Campo Conde Sucena.
Entre lágrimas, emoção e muito nervosismo, os últimos minutos pareciam não querer passar mas, apesar da enorme pressão final da formação do 1º de Dezembro, a garra e união dos alvinegros seguraria, até final, um triunfo fabuloso, que garante a passagem à próxima eliminatória da Taça de Portugal, onde estarão já presentes os clubes do principal escalão do futebol nacional.
O próximo compromisso da Sanjoanense marca o regresso do Campeonato Nacional de Seniores (CNS), com a receção ao Cesarense, num derby agendado para as 15 horas de sábado, em virtude da realização de Eleições Legislativas no domingo.
AD Sanjoanense: Diogo, Pardal (Catarino, 72), Edgar, Andrés Burgos, Brandão; Danilo, Ruben Neves, Ruben Alves, Edwar (Ricardo Oliveira, 72), André Pereira (Júlio, 63’), Ronan.
Declarações de Cândido Costa:
Cândido, a Sanjoanense garante a passagem num jogo de loucos. O que sente depois deste triunfo épico?
Acho que foi um sentimento de pertença muito grande para todos. Embora os jornais dêem destaque às exibições individuais, acho que o que fica é a performance da Sanjoanense. A performance dos adeptos, da cidade e, principalmente, dos jogadores, que tiveram uma garra que já não é muito vista nos dias de hoje. Acreditaram, lutaram por algo muito grande, estabeleceram o objetivo da passagem, que era comum, e só assim foi possível conseguir tudo isto.
E, para ser sincero, sendo uma pessoa do futebol, nem sempre a competição dita a emoção que sentes. Já disputei jogos de Liga dos Campeões e o que senti ontem foi muito especial. Foi um reviver de tudo o que é a minha experiência com a Sanjoanense… Foi aqui que comecei e, em 120 minutos, parecia que tudo se acendia dentro de mim. Ver jogadores e adeptos naquela comunhão de esforço… Acho que foi um dia muito bonito para a Sanjoanense e esta é uma página que deve ir direitinha para a história do clube. Porque, de facto, o que ali se fez foi história! Foram 14 os guerreiros que deram esta alegria aos sanjoanenses, um sentimento que vai ficar connosco durante muito tempo e que marca uma história que podemos contar mais tarde. Uma história de perseverança, de acreditar, de querer… Está toda a gente de parabéns!
O esforço foi realmente enorme e o Ricardo Sousa dizia, na semana passada, que um jogo desta envergadura se preparava com seriedade e trabalho. A resposta dificilmente podia ser melhor…
Sem dúvida! Acho que temos um compromisso muito grande com estes jogadores. Primeiro procuramos que eles acreditem no potencial que têm, porque acho que isso é muito importante. Têm que acreditar que estão no clube certo para crescer e, aliado a isso, acreditar que podem atingir outro patamar e crescer na carreira. E depois, enquanto coletivo, tentamos trabalhar muito porque o coletivo vai dar azo a que as individualidades se destaquem. E eles acreditam nisso… Acreditam que são um conjunto forte e que isso os pode catapultar, mais tarde, para a conquista dos seus objetivos pessoais.
Há muito talento, atenção. Nós não estamos a puxar créditos em relação à nossa competência enquanto equipa técnica. Há muito talento aqui e fica fácil trabalhar em cima desse talento. Agora, se há algum mérito da equipa técnica nos jogos já feitos, está relacionado com a intensidade que temos exigido aos jogadores. Eles têm que trabalhar no limite, têm que saber “separar o trigo do joio” e têm-no feito muito bem. Nós somos uma equipa técnica jovem, algo inexperiente no que diz respeito ao comando da equipa mas com conhecimento da prática, do trabalho no terreno. Todos nós jogámos futebol e o que tentamos transmitir-lhes é que só trabalhando muito, com intensidade, paixão pelo jogo, rigor e respeitando as regras é que as coisas aparecem.
Para além disso, muitos dos atletas que aqui temos gostam da Sanjoanense, conhecem o clube e são sanjoanenses de coração, o que ajuda bastante. Uns vão arrastando os outros, que não tinham tanto conhecimento sobre o que era a Sanjoanense, e essa união está a funcionar. Acho que esse é o segredo deste grupo.
A equipa esteve por duas vezes em desvantagem, em alturas em que até estava por cima no encontro. Temeu que, em termos mentais, isso pudesse afetar a equipa, tendo em conta que era um jogo de tudo ou nada?
Eu temi tudo, para ser sincero… Eles passaram por alguns dissabores ao longo do jogo. Em termos de corrente de jogo, acho que toda a gente concorda que apresentámos um futebol mais vistoso, mais harmonioso em campo e mais padronizado. Percebia-se, na minha opinião, que a nossa equipa tinha mais trabalho de campo, mais trabalho enquanto equipa. E, contra a corrente do jogo, acabámos por sofrer um golo de bola parada, o que, para quem está lá dentro, constitui um duro revés, um golpe difícil. Mais ainda sabendo que tínhamos pela frente uma boa equipa, que se galvanizou e aumentou os seus índices motivacionais. Tivemos que lutar contra isso, também.
Ainda assim, demos uma resposta tremenda, os jogadores não abdicaram do fio de jogo pretendido, foram muito sérios, muito rigorosos e foram premiados com um excelente golo do Ronan, a cruzamento do Edwar.
Depois, nova falha de marcação nossa que permitiu que o avançado se isolasse e o lance terminasse em golo, apesar da boa intervenção do Diogo. Na minha opinião, também contra a corrente do jogo.
A partir daí, os minutos passavam, os nervos aumentavam, como em qualquer jogo em que o contexto é semelhante. Mas foi aí que começou a magia, também. Isto de ser treinador tem muito que se lhe diga e acho que a partir dos 80 minutos, com a expulsão do Diogo, largámos o volante. Apelámos ao coração, ao espírito… Não havia tática, havia coração. Só assim é que era possível. Podíamos colocar o Mourinho no banco com a melhor tática do mundo e provavelmente isso não funcionaria. O que funcionou foi uma luta desigual, de 11 contra 9, em que David venceu Golias pelo coração que estes miúdos demonstraram, pela fé e pela vontade de seguir em frente. Eles acreditaram no que lhes dissemos… Ao intervalo lembrámos que tínhamos acordado mais cedo, que tínhamos feito 300 km e que queríamos mais a vitória do que o nosso adversário. E acabámos por vencer uma equipa que tinha 14 golos marcados e apenas um sofrido, num jogo da Taça de Portugal. São, de facto, uma boa equipa, com um tipo de jogo diferente do nosso e que sofreu, também, um duro revés. Mas a nossa vitória foi um triunfo da conquista, do trabalho e da fé. Quem lá esteve sabe que foi muito difícil mas, na mesma medida, o resultado foi extremamente compensatório.
A Sanjoanense jogou cerca de 40 minutos com Ronan na baliza, o que confere ainda maior expressividade ao resultado. Como é que se prepara um grupo para uma situação como esta, principalmente em temos mentais?
O Diogo é um bom menino, que conheço há já algum tempo. No ano passado fez uma grande época, isso foi reconhecido, e, para além de todas as qualidades como guarda-redes, tem algo muito bom: gosta da Sanjoanense. E nos momentos-chave não se importa de abdicar do “eu” em prol da equipa. Foi o que fez naquela situação. Fruto de uma desatenção defensiva nossa, que colocou um jogador isolado, ele ainda sai engrandecido com a atitude que teve. Era um momento de tudo ou nada, aproximava-se o final, o resultado estava em 2-2… E o Diogo tem todo o apoio do grupo, para com quem teve uma atitude nobre. Vai perder 1 ou 2 jogos mas, nesta situação, sai engrandecido porque salvou a equipa de uma situação difícil.
Depois, houve o momento normal da escolha e encontrámos o Ronan. Já tinha toda a gente com os olhos postos nele, porque trabalha muito bem, e no momento da dúvida ele chegou-se à frente e disse que ia dar o melhor dele e uma boa resposta. E deu… Apesar de que, mesmo que tivesse sofrido cinco golos, continuaria a ter o nosso apoio. Era uma situação ingrata mas em que tudo estava relacionado com o acreditar. O jogo de ontem, caso tivesse sido filmado com qualidade, serviria para catapultar o nome da Sanjoanense e ir ainda mais além. Ajudava a promover os miúdos e até a formação podia usa-lo como exemplo, porque é isto que faz com que os jovens se apaixonem por este desporto…
Não sei se fica bem reconhecer isto mas até eu, estando fora e não podendo ajudar em campo, coloquei algumas dúvidas na capacidade de conquistar um bom resultado. Duvido que tenha estado algum sanjoanense em Sintra que não pedisse os penalty’s… E, de repente, os que estavam lá dentro acreditaram que era possível vencer antes disso. Acho que é um grande exemplo de persistência, espírito resiliente e estão todos de parabéns, sinceramente. Os que têm brilhado menos são as pessoas do staff. O momento é dos jogadores e espero que tenham captado imagens suficientes para que isto perdure nas suas vidas. Foi um momento muito bonito! Eu tive vários, ao longo da minha vida, e ontem dei por mim extremamente emocionado, a ajoelhar-me quando marcámos o terceiro golo. É algo que não se controla. É tudo futebol, é tudo emoção e eu estava muito emocionado. A Sanjoanense não é um clube rico e este é um grupo que, com o esforço de muita gente, tem tido as condições necessárias para fazer o seu trabalho.
Falou do discurso ao intervalo, de apelo à garra e união. O que é que pediram aos jogadores no final dos 90 minutos regulamentares, altura em que a Sanjoanense jogava já com Ronan na baliza?
Nunca, em qualquer outra circunstância, a Sanjoanense seria notícia depois daquele jogo e hoje é. E foi isso que o Ricardo lhes transmitiu, com as palavras certas no momento certo. Disse-lhes que aquele era o momento em que os jogadores podiam aproveitar para ter as luzes da ribalta apontadas, explicou-lhes que era algo diferente, “fora da caixa”. E o que eles fizeram foi “fora da caixa”. O que o Ricardo lhes pediu foi, um bocado, para conseguirem o impossível. Pediu-lhes que acreditassem e disse-lhes que, caso conseguissem a vitória, as atenções se centrariam neles. E, como podemos ver, hoje [segunda-feira] fomos notícia em quase todos os jornais. Como se sabe eu estou ligado à comunicação social e tive muita gente a ligar-me, a dar-nos os parabéns e a elogiar o feito. O Ricardo apelou a isso e os jogadores acreditaram.
Para ser muito franco, para se conseguir uma vitória destas temos, também, que ter um bocadinho de sorte. E não seria humilde da minha parte não reconhecer que tivemos sorte. Houve sorte ali pelo meio… Mas nos momentos entre a sorte e o azar fomos competentes. Porque a verdade é que o 1º de Dezembro não foi capaz de arranjar a melhor estratégia para defrontar nove jogadores que estavam em campo com a vestimenta guerreira, completamente disponíveis para o que quer que fosse e que não iam abdicar de nada, não se iam render. E o 1º de Dezembro não teve a melhor estratégia. Desesperou e nós demos uma resposta tremenda. Fomos assertivos a defender e bem comandados. O Edgar, como capitão, soube transmitir a crença necessária e os jogadores que entraram foram fantásticos, completamente disponíveis e deram a força que era precisa.
Para além disso, apesar de não gostar muito de fazer isto, acho que devo este reconhecimento: principalmente a partir do prolongamento, o jogo foi 70% dos jogadores e 30% da claque. Eu já estive lá dentro e aquela energia ajuda-nos em decisões mais complicadas. O tambor, as vozes… Eles estiveram brilhantes. E não estou a puxar para o nosso lado, porque já vi que eles estão connosco e que isso não irá mudar. Estou, sim, a constatar um facto. Houve uma viagem pelo meio e eu sei, como apaixonado pelo conceito do movimento ultra, o que é fazer uma viagem de 300 km. Ter que levantar cedo, estar rouco ao intervalo, ter uma segunda parte pela frente, a compensação, a emoção… Eles hoje devem estar tão ou mais cansados que os jogadores e, por isso, quero deixar-lhes uma palavra de agradecimento e pedir-lhes que continuem a fazer o que têm feito porque é muito importante. É mesmo muito importante porque é uma equipa nova, que ainda não gere muito bem as emoções, e é importante que eles estejam com os jogadores, para que eles acreditem e se sintam motivados.
Na próxima semana a Sanjoanense recebe o Cesarense. Sente que esta vitória pode ser um forte catalisador anímico para o que resta da temporada?
Sem dúvida. O Cesarense é uma boa equipa, monta bem a estratégia para os seus jogos e utiliza bem as armas de que dispõe. Nós sabemos disso e, para competir com essa força, temos que fazer o que temos feito até agora. Não há grandes coisas a alterar. Temos que impor o nosso futebol, provavelmente temos que ser mais concentrados em alguns momentos, principalmente nas bolas paradas, mas não vamos desviar-nos um milímetro do nosso futebol, que é humildemente de gala. Nós acreditamos num futebol de qualidade, com construção de jogo a partir de trás e acreditamos na qualidade dos nossos jogadores. E, tal e qual como ontem, quando o jogo ditar que temos que ser uma equipa guerreira e transformar o nosso jogo, estaremos preparados para o fazer.